Shametes: menos, por favor, bem menos.

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Comecei a ler blogs de moda quando essa profissão ainda não era estabelecida e rentável, como aparenta ser hoje. Fui descobrindo o universo dos blogs de moda aos poucos, e depois de um tempo ‘favoritei’ uns cinco blogs que lia quase todos os dias, e alguns que eu frequentava esporadicamente. Vi que alguns assuntos começaram a convergir, com todas as blogueiras magicamente recomendando os mesmos produtos. Gradualmente e quase imperceptivelmente os posts de publicidade se misturaram com posts “dica de amiga.” Confiei nas blogueiras que eu seguia, acreditando que elas não recomendariam produtos que não gostassem.

“O post pode ter sido pago, mas a opinião é minha.” Esse era o refrão.

Logo logo, vi que não era bem assim. Lembro quando tinha uma câmera bag que virtualmente todas as blogueiras falaram sobre. Que era perfeita, estilosa, grande, cheia de compartimentos, que queriam uma de cada cor, que combinava com tudo, que todos os pedidos a todos os santos foram atendidos quando elas ganharam a tal bag. No mesmo mês, uma das blogueiras já estava desesperadamente procurando por outra câmera bag. Disse às leitoras que a outra era perfeita pra ocasião X, mas precisava de uma pra ocasião Y. Mas no final das contas, nunca descobri qual era essa ocasião X porque a bag simplesmente sumiu do closet da moça.

Com a falta de regras claras a situação piorou, até que em 2012, a Conar processou um grupo de blogueiras por publicidade velada. Uma das blogueiras respondeu dizendo que foi um erro por parte dela, esqueceu de colocar a tag “publipost” que ela sempre colocava em outras ocasiões. Outra disse que a crítica partiu de meninas mal resolvidas, que denunciaram ela por inveja/falta do que fazer ou algo nessa veia.

Lendo as notícias do processo da Conar conheci o Shame on You, Blogueira. Sem refletir muito, comecei a gostar do blog dela, que ao meu ver tinha como objetivo manter os blogs de moda em xeque. De uma forma, o blog da Shame legitimava os meus sentimentos de decepção com o uso desenfreado de propagandas. Eu não era a única que me sentia enganada por propagandas de produtos que não tinham nada a ver com um blog, e que me sentia frustrada quando criticava alguma prática e era tachada pelas fãs de “recalcada.” (Aliás odeio esse papo de recalcada, por ser meramente ad hominem que asfixia um diálogo importante sobre o que seria uma conduta adequada em relação a publiposts.)

Continuei seguindo esse blog, mas não foi até recentemente, quando o número de comentários alcançou níveis estratoféricos, que comecei a ler e dar bola aos comentários. Me deparei com uma cena bizarra. Mulheres adultas que esperavam pelo tópico “frase do dia” pra fofocar cúmulos sobre blogueiras. Nada e ninguém estão além das críticas das shametes – comentários sobre aparência física, sobre o parceiro, sobre a aparência física do parceiro, sobre a vida delas antes da ‘fama,’ sobre especulações mal-fundadas… Parecia que aquilo era um microcosmo sem escrúpulos, mas depois fiquei sabendo que aqueles comentários eram apenas os que foram aprovados pela moderação.

Nessa onda, acabei decidindo fazer esse post. Espero que a Shame e suas leitoras parem pra pensar um pouco sobre esse comportamento hostil e um tanto bizarro.

A blogueira perfeita

Uma coisa que percebi é que as leitoras da Shame praticamente criam uma meta inatingível às blogueiras. Essa se veste como uma senhora, aquela se veste como uma piriguete. Essa tem um namorado que não desgruda dela, aquela tem um marido que parece que não dá bola pra ela. Essa é uma patricinha que não tem noção da realidade socio-econômica em que vivemos, aquela se veste com roupas bregas do Bom Retiro. E por aí vai… A meta estipulada pelas shametes é mais restringente que a da doutrina Aristotélica do homem ideal. É tão difícil aceitar que uma blogueira é um ser humano normal, e que ser humano nenhum é perfeito? Até Gandhi tinha seus defeitos. Então antes de cobrar isso e aquilo das blogueiras, reflita um pouco e avalie se estas expectativas não são meio (ou inteiramente) malucas. Aliás, mesmo se uma blogueira se apresentasse de uma maneira “ideal,” sem gafes ou deslizes, ela não escaparia das críticas, seria atacada por vender um estilo de vida irreal, de encher a cabeça das leitoras com uma representação distorcida da vida dela que só mostra o glamour. Já da pra ver o problema no discurso das shametes: “damned if you do, damned if you don’t.” É uma luta que não é “ganhável.”

O anonimato 

Cabe crítica a tudo. Já li comentários absurdos que nasceram de pura especulação. Qualquer boato vira prova irrefutável de que não sem quem chifrou não sei quem, de que não sem quem e não sei quem estão brigadas. As leitoras se agarram aos boatos como lobos famintos à busca de sangue e destilam veneno, inventando apelidos maldosos gongando aparência, classe social, interesses, e tudo mais das blogueiras. A Shame opera sob o pretexto de não revelar a identidade das blogueiras, mas quem lê o blog sabe que não é bem assim. Os screenshots de textos escondem o nome do blog, mas muitas vezes mostram parte do layout do blog, assim deixando “pistas” pra identificar o tal blog. Nos comentários, a situação é pior, apelidos são usados pra identificar as blogueiras, e se você estiver em dúvida sobre à quem o apelido se refere, é só perguntar. A resposta vai ser aprovada numa boa, algumas vezes o comentário terá uma forma do tipo o blog é o “Sham* on you, Blogueira,” como se esconder uma letra com um asterisco mantivesse o anonimato da vítima.

Por outro lado desse anonimato estão as shametes, que (eu cogito) nunca atacariam ninguém na vida real dessa forma. Eu não entendo porque esse comportamento se torna “normal” uma vez que não é frente a frente à pessoa que você ataca. O meio de comunicação é diferente, mas o efeito é o mesmo. Por trás do teclado, tem uma pessoa real lendo os seus comentários. bullying não deixa de ser bullying só porque é feito online.

Blogueira virou mãe agora?

Outra crítica que me deixa estupefata é essa história de que as blogueiras se tornaram as vilãs más que estão estragando infâncias Brasil afora, colocando ideias de consumismo na cabeça de crianças indefesas. Aí vem a pergunta que não quer calar: blogueira também virou responsável de educar os filhos dos outros? Cabe aos pais de uma criança educá-la sobre consumo responsável.

Quando eu era criança, a minha família era bem humilde. Antes de ingressar a quinta série, ganhei uma bolsa integral num colégio particular. Meus pais ficaram muito felizes, eles sempre prezaram a educação, mas eles também sentiram um certo receio. Não queriam que eu criasse expectativas de ser mimada, de querer o que as minhas colegas da classe média alta tinham, mas que estavam completamente além do alcance da minha família. Antes das aulas começarem, meus pais me explicaram que nossa situação era bem diferente e que não poderiam me dar todas essas coisas, embora desejassem. Eles me contaram sobre a infância deles, que foi muito mais difícil que a minha. Graças aos meus pais, aprendi a ser grata e a reconhecer que mesmo sem os “mimos” que as minhas colegas tinham, eu tive (e tenho) mais oportunidades que muita gente.

Quando comecei a ler os blogs de moda, minha condição financeira já tinha melhorado bastante. Nem por isso pensei que o bendito Moroccanoil era algo que viveria sem. Quando vejo blogueiras vestindo Louboutin e Hermès, não me sinto incomodada. Bom pra elas! Uso sim os looks do dia como referência independente de que marca a blogueira veste. A moda é democrática, e é muito provável que você ache peças de um estilo em uma gama de lojas, desde Torra Torra e Marisa à grifes caras. Se inspirar numa blogueira não quer dizer reproduzir o look inteiro, peça por peça, incluindo a Birkin de 20 mil reais. Adapte ou se inspire de acordo com um estilo que você gosta, e com marcas que condizem com a sua realidade financeira.

“Recalcada” vs “Talifã”

Como já disse, odeio o papo de recalcada. Mas de uns tempos pra cá, comecei a me perguntar se essa resposta tem fundamento. Já critiquei blogueiras por certas atitudes (eu creio que educadamente e construtivamente, e eu peço desculpas se fui rude. Nunca comento em blogs ou redes sociais com intuitos de machucar alguém.) Busco falar apenas de um comportamento que me parece problemático, nunca de coisas pessoais, e as respostas que as fãs davam era inveja isso, recalque aquilo. Achei que outras meninas que também recebiam essa mesma resposta de recalque se comportavam da mesma maneira – deixavam uma crítica construtiva e eram chamadas de mal resolvidas. Percebi que muitas vezes, os comentários eram por pura maldade. Não sei qual percentual das críticas são bem intencionadas, mas agora a resposta do recalque não me surpreende tanto assim. Em muitos casos é aplicável. Ainda acho que seria legal se as blogueiras discernissem os tipos de críticas e escutassem às construtivas.

Outra coisa que notei é que quando eu ou outras pessoas tentavamos defender uma blogueira, tachavam-nos como “talifãs.” Isso soa familiar? Sim, já que a reposta “talifã” opera sob o mesmo princípio da resposta “recalcada.” Como o slogan da Shame diz, “quem não pode atacar o argumento ataca o argumentador.” Então esse é o convite: vamos elevar o nível da conversa

Méritos da profissão de blogueira

Uma coisa que é questionada é o mérito de uma blogueira de moda. Moda é um assunto fútil? Sim, ou talvez, tem gente que interpreta a moda como arte. Mas e “o kiko?” Quem vive a vida 24 horas por dia falando só de coisa produtiva? Minhas conversas não são todas voltadas à epistemologia ou física quântica ou teoria dos jogos ou art nouveau – algumas são, mas nem ferrando que a minha vida inteira vai ser voltada à tópicos acadêmicos. A blogueira de moda fala de moda no blog dela, mas você não tem a menor ideia do que ela faz no tempo livre.

Outra coisa é quanto as blogueiras ganham. Sim algumas ganham mais 10 mil por mês, pouquíssimas ganham 100 mil por mês. Mas o que muitas pessoas não percebem é que esse mercado é competitivo e saturado. Pra cada blogueira que ganham 10 mil por mês, quantas estão trocando likes em redes sociais? Acho válido comparar a profissão blogueira com a profissão modelo. “A Gisele Bündchen dá uma desfilada e já ganhou mais que um neuro-cirurgião. Que absurdo!” As pessoas que falam isso não percebem que (1) a Gisele não representa a média, a grande maioria das carreiras de modelo não deslancham como a dela, (2) o mercado é extremamente competitivo e muitas modelos são esquecidas depois de uma ou duas temporadas – as que conseguem se destacar se diferenciam por causa de uma mistura de dedicação, carisma, personalidade, e sorte também, (3) tem muito trabalho que acontecem atrás das câmeras, um desfile não é só alguns passos, é casting, fitting, interagir com estilistas e mais um monte, assim como look do dia não é só algumas fotos e ponto.

O mercado capitalista é altamente (mas não completamente) eficaz. Os preços são estipulados por leis de oferta e demanda num sistema dinâmico. Os contratos oferecidos à Gisele são tão invejáveis porque a ela move mercados. É por isso que a Colcci reassinou o contrato depois de tentativas menos bem-sucedidas com outras modelos (dentre elas, modelos de cacife como a Alessandra Ambrósio e a Candice Swanepoel). Se tem gente pagando tanto é porque o produto não é substituível. Da mesma forma, o número seleto de blogueiras que ganha 100 mil por mês consegue embolsar tanto porque elas criaram um produto único. 

Recados às blogueiras

Às blogueiras também tenho uns conselhos:

(1) Respeite as suas leitoras: Estou me referindo ao contexto das propagandas. Escolha parceiros que você daria um aval, mesmo sem estar sendo paga. É notável quando uma blogueira endossa um produto que tá na cara que não usaria (por exemplo: foi por isso que teve toda aquele repercussão negativa quando o ebayModa revelou suas embaixadoras) e é meio chateante quando você, como leitora, se sente enganada. Sinalize claramente os posts de publicidade, independente se estes são divulgados no blog, no instagram, no facebook, ou no orkut se você ainda é desatualizada.

(2) Respeite as pessoas que contribuem ao conteúdo do seu blog: Você pode ser a “estrela principal” do seu blog, mas muitas pessoas ajudam ele a acontecer, dentre eles contribuidores de conteúdo, ilustradores, web designers, e por aí vai. Tem blogueira procurando esses serviços em troca de “divulgação no blog,” mas antes de fazer essa oferta irrecusável #sóquenão pense no fato que essa pessoa fez curso superior, desenvolveu uma proficiência com certos programas, e precisa pagar contas e se alimentar como qualquer outra pessoa. Pague uma quantia que condiz com o valor do trabalho dela. E outra, dê crédito quando você usa imagens que você não desenvolveu (botar “Imagens: Google” não é crédito.)

(3) Não dê bola à gente mal intencionada: auto-explicativo.

Nada mais a declarar.

-Lydia